Todos
que ouviam falar na mulher caquética,
logo ligavam o nome à velhice, a uma
avó, bisavó, ou coisa assim.
Naquela
segunda-feira, Milena tinha conhecido a mulher
caquética.
De
vez em quando pensava naquela mulher, que
não era bonita nem feia, nem gorda
nem magra, velha ou moça, muito menos
alta ou baixa. Era simplesmente caquética.
Impressionada,
Milena começou a imaginar um jeito
de conhecer sua história ou doença.
Talvez um dia pudesse ficar igualzinha a ela...
Olhou
no dicionário, na enciclopédia
médica, de qualquer jeito faltava alguma
coisa. Como é que uma pessoa ficava
caquética?
Alguém
disse que foi depois que o marido abandonou
a infeliz. Outro falou num vírus incurável.
Houve até quem dissesse que de um susto
ela teria ficado assim. Era pouco provável.
Milena
precisava arrumar um modo de conhecer melhor,
e de perto, a mulher mais-que-caquética.
Decidiu: ia fazer uma visita com qualquer
desculpa dessas de boa vizinhança.
Vestiu
sua calça jeans, uma camiseta de malha
bem simplesinha, um tênis velho e chegou
em frente à porta do 807.
Respirou fundo. Demorou um pouco para tocar
a campainha. Quando alguém olhou pelo
olho mágico, suas mãos estavam
suando.
Logo
que a porta se abriu, a mulher caquética
apareceu.
Tinha um meio sorriso, os olhos meio abertos
e vestia uma só meia. Seu nome era
Amélia.
Amável, a dona da casa convidou-a a
entrar e foi logo servindo um cafezinho em
apenas meia xícara.
Milena,
olhando Amélia à luz do dia,
não a achou tão caquética,
apenas, meio esquisita.
-
Até que a caquética, digo a
Amélia, tem alguma coisa bonita. Não
sei bem o quê. Talvez alguma coisa familiar,
pensava Milena.
Amélia,
aos poucos, foi se abrindo em sorrisos e a
conversa parecia com a de velhas amigas.
Havia
uma cumplicidade naquela sala. Parecia que
já se conheciam há longo tempo.
Não sabia o porquê, mas Milena
achava estranho a afinidade que surgira tão
de repente.
Amélia
falava como uma de suas colegas de escola.
As duas riam de suas lembranças da
adolescência.
Alguma
coisa cada vez mais incomodava Milena.
Resolveu matar sua curiosidade. Perguntou
à Amelia como conseguira aquele apelido.
Amélia
ficou meios minutos em silêncio. Em
seguida, desandou a falar sobre os fatos de
sua vida, seus casamentos, seus trabalhos
e suas últimas descobertas.
Contou
a Milena que havia adotado uma medida para
tudo que a rodeava, a do meio - o famoso mais
ou menos. Essa meia-medida fora colocada nas
coisas, relacionamentos e sentimentos que
tivera na vida. Nunca ousara o mais.
Acontece que, invariavelmente, as coisas passavam
do mais ou menos para o menos. E ela acabou
perdendo e diminuindo o que havia conquistado.
Cada derrota era um caco que se perdia e separava-se
de seu corpo.
Foram tantas as perdas que não podia
se ver pelos montes de cacos espalhados por
aí. Uma grande salada de vidros, histórias
e assombrações.
-
Estou deixando de ser caquética. Aprendi
a querer o mais, sempre o mais, a não
me contentar com pouco, nem com restos. Eu
mereço ser feliz!!! Estou lutando para
conquistar o que sonhei.
Hoje, meus cacos estão de colatudo
nova. Pode ser que os remendos fiquem aparentes,
não importa. Em pouco tempo vou conhecer
a minha imagem perdida em cada pedaço.