Ciúme e o Vírus Vesgo

Angela Moura

Ciúme, vesgo de nascença por um
desses maus jeitos de parto, anda por aí,
sem lenço e documentos, aprontando
das suas.

Com a visão distorcida, enxerga as
coisas e pessoas à sua moda, vendo
em lentes exageradas mais do que
qualquer sujeito normal.

Objeto de seus carmáticos problemas
visionários está sempre a realizar loucas
façanhas, das quais até Deus duvida.

Ciúme, saído da melhor Escola
Caricatural, criador de casos e cenas,
rouba os melhores papéis dramáticos ou
humorísticos de qualquer história.

Por tantos méritos, é a estrela favorita
dos seriados e novelas. Com popular e
coletivo carisma, consegue fazer cada
capítulo render tanto, que se repetem
por anos a fio, martirizando heróis e
heroínas que derramam lágrimas de
cebolas e crocodilos nas telinhas
dos rios de janeiros.

Peça principal dos noticiários
e folhas sangrentas de jornais,
fora-da-lei, anda sendo procurado,
vivo ou morto, pela Justiça que,
devido à sua grande popularidade e
periculosidade, faz vista grossa.

Acuado e ridicularizado, Ciúme
precisou se esconder atrás de falas
e gestos amorosos, para não se
entregar de bandeja.

Na sua rebeldia sem causa, Ciúme
cresceu dando murro em ponta de faca,
no ponto mais fraco ou nos dentes, no
vesguear do olho por olho.

Desiludido, adoeceu na busca da doce
Fidelidade - aquela rara e legítima,
sumida lá vai anos.

Ciúme, com sua doença de alto risco
imunológico, acabou por contagiar a
maioria de pessoas à sua volta com o
mesmo mal que o afligiu desde pequeno,
o hiper-vírus-vesgo, vulgarmente
conhecido como H.V.V.

Em larga escala epidêmica, a virose
conseguiu se multiplicar, contaminando
todos os fracos, ingênuos e apaixonados.

Perigosamente, o H.V.V. continua se
alastrando. Encontra-se espalhado pelos
quatro cantos do mundo, falando todos
os idiomas.

Nunca atingindo a maioridade, o vírus
anda "sempre livre" e jovial atrás dos
caras pintadas de todas as idades.

E a Vesguice, doença secular, fica cada
vez mais numerosa e mal falada. Por
tão grande progressão em pares, triângulos
e polivalentes, não se consegue diferenciar
ou se reconhecer nos espelhos, nem nos
escândalos de nosso normal, morno,
moderado dia-a-dia.

Rezando dobrado, a Vesguice Anônima
continua à espera de uma vacina que
acabe, de uma vez por todas, com
o neuro-virótico culpado: o indesejável,
indefensável, indecifrável Ciúme.


Do livro ROBÔ DA VIDA e Outros Contos
Copyright© 1993 by Angela Moura



(Repasse com os devidos créditos)






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