O Último dos Sorrisos

Angela Moura

Sorriso - o mais popular e
carismático, de satisfação em
satisfação, desafiou todos os tristes, solitários e deprimidos da praça.

Sorrindo-lhe a sorte,
o Sorriso aconteceu nos
parques, nas praias e paqueras.
Ganhou logo a maior freguesia.

General condecorado, com
uma fileira de dentes afiados,
conseguiu enfrentar
escancaradamente
o mau humor, o mau hálito
e os maus hábitos.

Vaidosamente espontâneo
e rasgado, não tinha rival.

Convencido do seu charme
de conquistador barato,
disse sem palavras,
tudo o que os outros
sonhavam ouvir.

Malandro velho, zombeteiro,
driblou adversários na suavidade
ou ao dente, cortando e
anestesiando línguas ferinas
ao sabor de seu deboche,
fazendo, em ironia, se ouvir
o que não se quis e o que
nem Diabo gosta.

***

O último do Sorriso
foi no bar da esquina.

Irreverente e inconseqüente,
ao sorrir para um estranho,
não mediu a dose.


O outro, chopeado,
ainda ponderou
com o décimo copo:

- Das duas uma:
é provocação de vadio
ou cantada de viado.

E o estranho,
sem esperar pelo segundo, com
um sorriso trincado de raiva,
acertou Sorriso com um
alcoolizado murro final.

Agora Sorriso, forçado,
com dentadura nova,
anda por aí,
sorrindo amarelo.

Do livro O ROBÔ DA VIDA e outros Contos.
Copyright © 1993 by Angela Moura

 

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