UM
MAR DE DOENÇAS
Pesquisas
mostram que areias de praias cariocas estão
infestadas de microrganismos nocivos à
saúde.
Há risco de infecções
que podem afetar olhos, pele, ouvidos e intestino.
Ronaldo Soares
PAISAGEM
MANCHADA
A beleza das praias do Rio de Janeiro é
um dos bens mais preciosos de um vasto patrimônio
natural que inspirou relatos extasiados dos
primeiros europeus que navegaram ao longo
de sua orla e, também, algumas das
canções mais conhecidas da música
popular brasileira. Apesar disso, o litoral
cheio de curvas e emoldurado por montanhas
que faz do Rio uma paisagem metropolitana
única no mundo tornou-se a síntese
de alguns dos mais graves problemas da cidade.
Manchas de poluição no mar,
favelas de onde descem lixo e esgoto, sujeira
e assaltos a banhistas são alguns dos
sinais da degradação da orla
que se pode enxergar a olho nu. É na
areia, entretanto, que reside um grave problema
de saúde pública, este só
visível ao microscópio: as praias
cariocas transformaram-se num imenso criadouro
de microrganismos causadores de doenças
que atacam intestino, pele, olhos e ouvidos.
Pesquisa concluída no mês passado
pelo microbiologista João Carlos Tórtora,
da Universidade Federal Fluminense (UFF) e
da Universidade Gama Filho, mostrou o alto
índice de parasitas intestinais, bactérias
e fungos nas praias cariocas. Nas areias do
Leblon, por exemplo, o nível de coliformes
fecais (que indica contaminação
por esgoto) era de 5 000 por 100 gramas de
areia – o limite aceitável é
de 400 coliformes por 100 gramas. Na Praia
do Leme, a situação é
ainda mais assustadora: 88 000 coliformes
por 100 gramas de areia. "As pessoas
só se preocupam com a qualidade da
água nas praias. Mas, dependendo do
lugar, elas podem correr mais risco na areia
do que na água", diz a bióloga
Adriana Sotero, do Departamento de Saneamento
e Saúde Ambiental da Fiocruz.
Diversos
fatores contribuem para a poluição
das areias. Há as línguas negras,
rastros de sujeira observados na areia após
chuvas torrenciais que carregam lixo e esgoto
para o mar; o lixo deixado pelos frequentadores,
que atrai animais transmissores de doenças,
como ratos e pombos; e o péssimo hábito
de banhistas de levar cachorros para a praia.
Um monitoramento feito pela Secretaria Municipal
de Meio Ambiente mostra que em toda a orla
da Zona Sul as areias estão infestadas
de parasitas que causam verminoses, como bicho-geográfico,
lombriga, solitária e oxiúro.
Eles indicam a presença de fezes de
animais (como cães e pombos) no ambiente.
Atualmente, dos dezessete pontos de monitoramento
no trecho de 27 quilômetros que vai
do Leme à Barra da Tijuca, em apenas
três locais analisados a secretaria
não faz restrições ao
uso da areia. Nos demais, recomenda-se uma
série de precauções,
como não sentar sem antes forrar o
chão com esteiras ou cangas, andar
de chinelo e evitar que crianças levem
à boca a mão suja de areia.
Para
se desenvolver, os microrganismos que infestam
as praias precisam de ambiente úmido,
longe do sal e de altas temperaturas. A forma
mais eficiente de combatê-los é
revirar a areia. Com a aeração
do ambiente e a exposição ao
sol, os microrganismos não sobrevivem.
Esse trabalho é feito diariamente nas
praias do Rio, por meio de varrição
das areias ou com a ajuda de máquinas
específicas para esse tipo de limpeza.
Mas, como persistem as línguas negras,
o despejo de esgoto, os cachorros na praia
e o lixo jogado no chão, a imundície
continua ameaçando a saúde dos
banhistas. Durante o verão, são
recolhidas 2 600 toneladas de lixo por mês
nas praias cariocas.
Num
cenário desses, não é
de estranhar que o Brasil não tenha
nenhuma representante entre as 3 200 praias
mais bem-cuidadas do mundo. Elas fazem parte
do programa Bandeira Azul, certificado de
qualidade concedido anualmente por uma ONG
que atua em mais de cinquenta países.
A entidade analisa as condições
dos balneários a partir de uma lista
de 29 itens. Nas exigências quanto à
saúde dos banhistas, as normas são
mais rigorosas que no Brasil. Pela classificação
da entidade, praias consideradas próprias
para banho podem ter no máximo 100
unidades da bactéria causadora de diarreias
(E. coli) a cada 100 mililitros de água.
No Brasil, a tolerância a esse tipo
de contaminação é oito
vezes superior. Na lista das praias certificadas
há países pobres ou em desenvolvimento,
como República Dominicana, Marrocos,
África do Sul e Tunísia. A África
do Sul, por exemplo, investiu em melhorias
de saneamento básico e realizou campanhas
de conscientização ambiental
em áreas costeiras para ter dezenove
praias na lista das melhores do mundo. "Isso
mostra que não é questão
de ser desenvolvido ou ter muito dinheiro
para melhorar as condições das
praias", diz Marinez Scherer, coordenadora
do Bandeira Azul no Brasil. Neste ano, cinco
praias brasileiras tentarão obter o
certificado da entidade. Nenhuma carioca.
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